terça-feira, 6 de agosto de 2013

Demolição da Companhia de Fumos

Artigo publicado no jornal Gazeta do Sul, pelo arquiteto Luiz C. Schneider, arquiteto e urbanista e professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unisc - Universidade de Santa Cruz do Sul:

Em junho deste ano o Conselho Municipal de Planejamento Urbano (Compur) de Santa Cruz do Sul, por quase maioria de seus integrantes, aprovou a demolição da antiga Companhia de Fumos, que era listada como um dos bens imóveis sujeitos a preservação patrimonial. Abstraindo-se desta discussão, a existência de uma lei municipal que se propõe à preservação patrimonial mas que, ao que parece, não tem efeitos práticos para a concretizar plenamente, quero abordar outro assunto. E o que acontece agora?
Logicamente, em uma visão de mercado, a empresa que comprou o terreno da Companhia de Fumos (mesmo ciente das questões culturais que estavam implicadas quando da aquisição da área) pode demolir o prédio e construir o que quiser. Não há controles no Plano Diretor de Santa Cruz do Sul sobre esses aspectos, ressalva feita à observância de índices e taxas e as disposições previstas no Código de Obras. Mas acontece aqui um fato novo: a mesma quadra onde se encontra o prédio da antiga Companhia de Fumos é também compartilhada em seu lado oposto pela Igreja Evangélica de Santa Cruz do Sul, também listada como patrimônio arquitetônico na lei de preservação municipal. E a futura construção na área da antiga Companhia de Fumos (metade oeste da quadra da Igreja) será a de um complexo habitacional comercial de grande porte e altura com torres de 13 andares. Esta será, até onde se sabe, a provável composição volumétrica do novo cenário permanente situado no plano de “fundos” da Igreja Evangélica. Aliás, que é também único exemplar de arquitetura neorromânica da cidade. Há quem pense que esse aspecto pode ter menor importância, menos significado. Eu pergunto: será que é assim mesmo?
No mundo todo, e também no Brasil, que possui uma moderna legislação urbanística e ambiental, tem-se observado que nas questões urbanas é cada vez maior a necessidade de implantar efetivamente o discurso da sustentabilidade qualificando os espaços das cidades em todos os seus aspectos e dimensões, inclusive o de preservação e cuidados com a paisagem urbana. Em relação à dimensão sociocultural, o impacto visual de novas obras sobre algumas tipologias especiais de paisagem, em especial as que envolvem monumentos, deveria ser criteriosamente avaliado. Como exemplo, a metade da quadra onde hoje se localiza a Igreja Evangélica é marcada historicamente e culturalmente há décadas por práticas que determinam a ambiência do local, ou seja, por uma profunda integração entre a identidade do espaço e seus usuários. E nesse tipo de situações não pode haver riscos de um monumento “desaparecer simbolicamente”, ou seja, de diminuição de sua significância cultural e histórica. Esse caso leva a outra pergunta: foram considerados esses eventuais riscos e impactos, bem como seus possíveis efeitos estéticos e psicológicos? Aliás, não seria essa situação também um alerta similar ao que acontece com a Catedral Católica, maior templo neogótico da América Latina, onde seu entorno próximo, à exceção da quadra da Igreja, não tem controle algum sobre altura ou impacto de novas edificações? O mercado vai planejar o planejamento da cidade?
Muitas cidades zelosas pelo seu patrimônio cultural solicitam estudos ou relatórios de impacto de vizinhança e mesmo a realização de audiência pública para solicitação de esclarecimentos sobre obras de grande porte. Há muita diferença também entre processos de renovação, revitalização, requalificação urbana entre outros, cada qual a ser realizado em contextos apropriados. Há planos diretores que limitam alturas de novas edificações, estabelecem mais recuos, determinam zonas históricas de proteção especial inclusive da paisagem urbana, criam instrumentos compensatórios que favorecem a preservação ambiental em sua dimensão mais ampla. E que cidade queremos mesmo? Efetivamente penso que a manutenção da identidade da cidade, conciliada com a transformação e o desenvolvimento das áreas urbanas, deveria fazer parte da agenda. 



Luiz C. Schneider
Arquiteto e urbanista

Fonte: http://www.gaz.com.br/gazetadosul/noticia/417501-demolicao_da_companhia_de_fumos/edicao:2013-08-01.html 






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