quarta-feira, 1 de maio de 2013

Porto Alegre (RS) – Obras em marcha lenta revelam impasse na gestão de grandes projetos culturais

Já vai uma década do anúncio das obras ou, no mínimo, dos projetos de alguns dos principais equipamentos culturais da Capital – Caixa Cultural, Cinemateca Capitólio, Sala Sinfônica da Ospa, Multipalco do Theatro São Pedro. Já vai uma década sem suas respectivas conclusões.
Somam-se a isso os exemplos de reformas paralisadas na Casa de Cultura Mario Quintana, de degradação e insegurança na Usina do Gasômetro, de infraestrutura no Margs e de inconsistência de programação em tantos outros. Seria tudo mera coincidência?
A pergunta tem ainda mais pertinência no momento em que se evidencia a necessidade de uma nova sede da Biblioteca Pública: por que Porto Alegre é uma cidade de centros culturais empacados? Há explicações específicas que justificam cada fase de obra atrasada, cada aparelho de ar-condicionado que para de funcionar e demora longas semanas para voltar a operar. Sua reiteração, no entanto, é indício de que justificativas genéricas, que se apliquem a todos os casos, talvez expliquem melhor o que está ocorrendo.
ZH ouviu especialistas em economia e gestão cultural em busca de reflexões sobre esse contexto. O olhar distanciado se mostrou recompensador de cara, quando o tema foi introduzido na conversa com o economista Marcelo Portugal.
– Centros culturais não andam? Qual é a surpresa? – pergunta, retoricamente, o professor da UFRGS. – Há quanto tempo ouvimos falar da ampliação da pista do aeroporto (Salgado Filho)? A cultura não é uma área diferente das demais.
Qualquer movimento que envolva a máquina pública empaca, ressalta Portugal, citando a rigidez da lei das licitações (nº 8666-93), que demandam muito tempo e atenção para atender a todas as suas exigências. Mas não é só isso:
– A questão é mais ampla. A sociedade brasileira como um todo é viciada em complicar as coisas. Há entrave para todos os empreendimentos em todas as esferas, públicas e privadas. Gerenciamos mal nossos empreendimentos.
Quase todos os equipamentos citados neste texto preveem cogestão ou parceria de investimentos. O Capitólio será gerido pela prefeitura e a Fundacine, entidade privada ligada ao cinema gaúcho. A Caixa Cultural tem investimentos da Caixa Federal num espaço cedido pelo município. Já o Multipalco é ligado ao governo gaúcho, porém, sua reforma está sendo levada a cabo graças à legislação nacional de financiamento da cultura com renúncia de Imposto de Renda, assim como a nova sede da Ospa e a restauração da Casa de Cultura Mario Quintana.
À medida que os formatos variam e as dificuldades de afirmação persistem, convém fazer uma pergunta mais direta: a cidade, e o Estado como um todo, desejam e precisam desses equipamentos conforme eles estão estabelecidos?
– Porto Alegre tem, sim, vocação para os grandes centros de difusão da cultura – defende Leandro Valiatti, que é especialista em economia da cultura. – Depois de muito tempo de costas para o Centro, a cidade se voltou para a região central por causa desses equipamentos. O que ocorre é que precisamos de programas de incentivo mais duradouros.
Valiatti lembra que o Programa Monumenta, do governo federal, realizado em parceria com as prefeituras das cidades contempladas, cuidou da reforma de diversos prédios do Centro Histórico da Capital. E então questiona:
– Mas e quanto à sua manutenção? Em geral, falta evoluirmos no que diz respeito à continuidade, aos projetos de longo prazo. Não adianta só reformar. Por mais que esses equipamentos tenham projetos fixos, duradouros: os anos passam, e o foco naturalmente vai se voltando mais à sobrevivência do que à proposição de algo consistente. Sem falar que se está sujeito às mudanças políticas, de governo etc.

Cultura a longo prazo
O que se espera de um grande centro de difusão da cultura? A resposta pode não estar ligada à demora sem fim da conclusão da nova Sala da Ospa, da Caixa Cultural, do Capitólio e do Multipalco, mas tem a ver com o seu sucesso futuro – e com o êxito de equipamentos já em operação que, para citar a linha de pensamento do economista da cultura Leandro Valiatti, acabam focados, antes de qualquer outra coisa, em sobreviver.
– Os modelos de operação que conhecemos ainda precisam amadurecer – diz Álvaro Santi, músico que coordenada o Observatório Cultural de Porto Alegre. – Falamos muito nas parcerias público-privadas e em modelos importados de outros países, mas ainda não sabemos como cada tipo de gestão funciona na cidade. É tudo muito novo por aqui, a própria Secretaria Municipal da Cultura (SMC, à qual o Observatório é ligado) só começou a funcionar há 25 anos.
Foi a partir dessa impressão que a SMC elaborou um grande levantamento sobre o consumo de cultura na Capital, que deve mapear costumes e necessidades do porto-alegrense. Ligadas à cultura, é claro.
– Os resultados, que vamos começar a conhecer no segundo semestre, vão orientar algumas ações – adianta Santi. – Isso tanto no que se refere a projetos isolados de fortalecimento de determinada área (música, teatro, literatura) quanto a instalações de centros culturais. Quem sabe não chegamos à conclusão de que, em vez de um grande equipamento central, seja melhor instalar equipamentos menores nos bairros? É preciso se pensar a longo prazo, mas a partir de contextos delimitados. Houve um momento da cidade em que o Teatro de Arena era mais adequado do que o Teatro do Sesi. É uma questão de período histórico.

Centros de conexão
Gestora da empresa Mecenas Cultura, especialista em economia da cultura e membro do Conselho Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul, Adriana Donato defende que os centros culturais tenham orçamentos fixos não apenas para pagamento de funcionários e problemas de infraestrutura, mas para o próprio desenvolvimento de suas políticas culturais.
– É claro que a grana do Estado é curta e se entende que saúde e educação são prioritárias – diz. – Defendo que, em vez de se buscar alternativas para viabilizar projetos isolados, busquem-se modelos que contemplem uma atuação no longo prazo, que, por exemplo, não estejam sujeitos a mudanças de caráter político. Esses modelos podem se constituir em parcerias com a iniciativa privada ou entre as diversas esferas públicas.
Entre as fontes consultadas por ZH, ninguém admite a existência de impasses políticos nos projetos em desenvolvimento, mesmo que, pela demora, governos tenham mudado e, com eles, desacertos tenham aparecido. Falando especificamente sobre o projeto da Caixa Cultural, o atual secretário municipal da Cultura de Porto Alegre, Roque Jacoby, afirma que, “se em algum momento do projeto existiram eventuais problemas políticos, estes já foram reparados”.
– Atualmente convivemos em ambientes saudáveis, um ajudando ao outro – diz Jacoby.
A questão que fica, independentemente disso, é o que acontecerá quando esse e todos os demais equipamentos citados desempacarem. Ou ainda: quando se encontrarem os modelos adequados.
Valiatti provoca:
– Os grandes centros culturais deveriam ser lugares de encontro, trocas de experiências. Locais onde pessoas se encontram e exercitam a inovação. Onde há internet boa disponível, segurança e recursos básicos para a criação. Acho que falta aos nossos grandes equipamentos fugir dos modelos mais tradicionais e apostar em propostas mais interativas, não ficar apenas em exposições e palestras, mas algo que chame mais as pessoas e aproveite melhor a tecnologia e o processo de transformação que estamos vivenciando atualmente.

A quantas andam
>>
Com orçamento estimado em R$ 6 milhões, a Cinemateca Capitólio teve as fases iniciais das obras realizadas entre 2004 e 2006. A terceira e última fase atrasou devido a um impasse na remessa de dinheiro do BNDES. Houve deterioração de partes já reformadas, obrigando a realização de novos serviços. A obra está na fase final, e a inauguração, agora, está prevista para o segundo semestre deste ano.
>> A Caixa Cultural, que tem investimentos de R$ 30 milhões, deve demandar pelo menos mais dois anos de reformas – atualmente a obra está parada. Um dos impasses deu-se entre os proponentes do projeto e a empresa contratada para o serviço, a partir de dificuldades técnicas relacionadas ao solo do prédio – o rolo chegou a parar na Justiça. >> A Sala Sinfônica da Ospa e o Multipalco do Theatro São Pedro já tiveram perspectivas mais sombrias. Com financiamentos encaminhados (cerca de R$ 30 e R$ 50 milhões, respectivamente), as obras dependem mais da aceleração das burocracias relativas à liberação do dinheiro via Lei Rouanet do que propriamente de questões técnicas das reformas. >> Cartões-postais de Porto Alegre, a Usina do Gasômetro e a Casa de Cultura Mario Quintana conseguem manter suas programações, pouco mais de duas décadas após a restauração dos espaços em que estão localizados. A deterioração de ambos os prédios, entretanto, é visível. >> Enquanto parece ter incorporado os tapumes às paredes, a Casa de Cultura aguarda a liberação de R$ 8 milhões do Banrisul, via Lei Rouanet, necessários à sua reforma. No Gasômetro, há os reiterados problemas de segurança – sessões de cinema noturnas têm cada vez menos público e, à luz do dia, no ano passado, a obra dos artistas Nato Silva e Selir Straliotto foi riscada com carvão. >> Os equipamentos mais “jovens”, como o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, se ainda não têm tantos problemas estruturais, enfrentam dificuldades de afirmação com suas grades de programação nem sempre capazes de mobilizar o público – ou, mais ainda, a intelectualidade local. >> Raro centro cultural porto-alegrense cujo prédio foi construído para este fim, a Fundação Iberê Camargo é uma referência. Não à toa: sua proposta curatorial – que não é tímida – encontrou guarida em grandes investidores da iniciativa privada. O Santander Cultural surgiu em 2001 com uma política cultural de fôlego semelhante. Para acompanhar a popularização do banco que lhe financia, mudou a estratégia de gestão, ampliando o alcance de suas ações, com projetos como a exposição Lendas e Tradições de Natal, de 2012. >> No âmbito público, o jeito é encontrar alternativas de gestão. Um exemplo é a Cinemateca Paulo Amorim, que precisa do dinheiro das bilheterias para pagar seus funcionários e, por isso, aposta em filmes de apelo popular recém-saídos das salas de shopping. Na área das artes visuais, cabe lembrar a persistência do MAC-RS, que parece ter conquistado o direito a uma sede própria (na antiga Mesbla) mais de 20 anos após sua criação. E do Margs, que tem preenchido boa parte de sua programação com recortes de seu próprio acervo. Por Daniel Felix
Fonte: Zero Hora

Fonte da Pesquisa: http://defender.org.br/2013/04/29/porto-alegre-rs-obras-em-marcha-lenta-revelam-impasse-na-gestao-de-grandes-projetos-culturais/ 















Obras da Cinemateca Capitólio foram retomadas mais uma vez. Foto: Diego Vara / Agencia RBS

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