quarta-feira, 1 de maio de 2013

A ferro e a frutas - Mercado de São José - Recife

Inspirado na arquitetura moderna francesa, o Mercado de São José, no Recife, adaptou-se ao clima e à cultura locais

Rosilene Gomes Farias

Naquele Sete de Setembro, o Recife acordou festivo. Era uma quinta-feira de 1875, e homens e mulheres, portando bandeirinhas e vestidos com seus melhores trajes, dirigiam-se aos jardins do Palácio do Campo das Princesas, onde assistiriam à apresentação de algumas bandas marciais e teriam a oportunidade de acompanhá-las em um cortejo que impregnava de música as principais ruas da cidade.
A agitação popular tinha um motivo especial, para além das comemorações da Independência: no bairro de São José, por volta das 11 horas, seria inaugurado o novo mercado do Recife. Era o primeiro edifício feito com estrutura em ferro pré-fabricada em Paris e montada no Brasil. Beleza, modernidade e higiene traziam os ares da França para nossas terras. Aqueles que chegavam ao grande edifício podiam sentir no ar o perfume das folhas de canela que ornamentavam as colunas e se espalhavam por todo o assoalho do lugar.
Muitos dos que participavam da festiva inauguração já deviam ter ouvido histórias sobre o passado remoto daquelas redondezas, quando havia apenas uma praia onde se viam pescadores atracando suas canoas ou saindo para o mar. No século XVIII, um mercado e uma ribeira (construção para venda de pescado) foram erguidos ali para garantir condições mais higiênicas à comercialização de peixes e outros produtos, substituindo a tradição dos pescadores de venderem diretamente de suas embarcações. Estas novas construções ficavam atrás do Hospício de Nossa Senhora da Penha, onde residiam missionários capuchinhos italianos. O mercado público tinha 62 casinhas interligadas por arcadas em torno de uma praça quadrada e, no centro dela, uma ribeira de peixe formada por 128 bancas. No meio das bancas da ribeira foram construídas duas colunas dóricas, que sustentavam um grande arco de entradatodo ornado com motivos barrocos. Suas laterais davam acesso à praia.
Em 1789, o terreno foi requisitado judicialmente pelos padres capuchinhos, que disseram ter comprado a propriedade. Eles alegavam que o convento achava-se protegido por um Decreto Real de Dom João V, que proibia construções nas proximidades do Hospício, na direção do mar. Também informavam a compra do terreno, pelo qual pagaram 430 mil réis Reclamavam que o mercado exalava um odor forte e desagradável que os impedia de respirar livremente. Mas a Câmara confirmou a manutenção do Mercado da Ribeira no local e ainda sugeriu que, para terem uma melhor vista do mar, os capuchinhos deveriam construir um mirante da altura da torre do seu edifício.
No Recife do início do século XIX, alguns locais de venda de alimentos eram fiscalizados pelo governo e havia o comércio informal, praticado nas ruas por escravos e por pessoas livres pobres. Eles vendiam frutas e verduras, muitas cultivadas nos sítios que circundavam a cidade e que eram comercializadas em tabuleiros, mesinhas ou toalhas estendidas sobre o chão.Com a construção de um novo mercado, as autoridades pretendiam ampliar o controle sobre a venda de alimentos e aumentar a arrecadação de impostos. A medida também acompanhava o processo de modernização pelo qual passavam os grandes centros brasileiros, tentando adotar modelos europeus de organização do espaço urbano.
O Mercado de São José foi projetado pelo francês João Luís Victor Lienthier, engenheiro da Câmara Municipal do Recife, em 1871. Teve como modelo o Mercado de Grenelle, em Paris, cujo projeto havia sido publicado dois anos antes na revista Nouvelles Annales de La Construction. A concorrência para a construção foi vencida pelo empresário José Augusto de Araújo.Os arrematantes dessas obras eram, na maioria das vezes, pessoas abastadas, entre elas latifundiários e proprietários de escravos.No século XIX, com a expansão das obras públicas, os empreiteiros tornaram-se um grupo econômico importante no Recife, erguendo fortunas pessoais.
Para detalhar o projeto e inspecionar a execução da estrutura de ferro, José Augusto de Araújocontratou, na França, o engenheiro Louis-Léger Vauthier, que já havia estado em Pernambuco nos anos 1840 a trabalho. Na época, contratado pelo então presidente da província, construíra pontes, estradas e edifícios públicos,entre os quais se destacava o Teatro Santa Isabel, exemplar do neoclassicismo no Brasil. Suas obras eram sempre precedidas pelo estudo das condições climáticas e do contexto da sociedade e da cultura locais. Para o Mercado de São José, Vauthier sugeriu modificações no projeto original que motivaram muitos debates na Câmara Municipal.Ele foi acusado de pretender apenas reduzir as despesas do arrematante, causando dificuldades para o controle dos gastos da obra.A Câmaratambém alegou que, sendo aquele o mesmo projeto adotado para o parisiense Mercado de Grenelle, e tendo sido aprovado por engenheiros capacitados, certamente serviria ao Recife sem reformulações.
O engenheiro fez prevalecer sua proposta: realizou reduções de volume em diversos elementos de ferro, situou os compartimentos ao longo das paredes, modificou a cobertura prevista de folhas de ferro para telhas de barro, substituiu as venezianas de vidro por madeira, propôs um sistema de abastecimento de água e rede de esgoto e trocou os tecidos de arame por grades de ferro. As intervenções proporcionaram mais funcionalidade, segurança e higiene para o lugar. Embora semelhante aos mercados construídos na Europa do século XIX, o Mercado de São José nasceu adequado ao seu ambiente.
A estrutura foi pré-fabricada em Paris, entre 1872 e 1875, e trazida para o Brasil. Ocupando uma área de 3.540m², o edifício é formado por dois pavilhões retangulares separados por uma rua coberta. Possui colunas elegantes de ferro fundido com 7,60m de altura, ligadas entre si por arcadas do mesmo metal e artisticamente construídas, sustentando toda a cobertura do edifício, igualmente metálica e revestida com telhas marselha Montchanin, reputadas no seu tempo como as melhores da França. As extremidades do telhado, em forma de animais, eram uma das características art-noveau do prédio. A primitiva calçada que circundava todo o edifício era feita de pedras de Lisboa, possuía 12 chafarizes e um sistema de esgotos que proporcionava um aspecto higiênico ao lugar.
O mercado foi inaugurado com 377 compartimentos de diversos produtos, 29 pedras de peixe – forma como, na época, se referiam aos balcões onde eram (e ainda são) tratados e expostos os peixes – e 34 barracas internas para vender carnes, peixes, verduras, frutas, flores, cereais e caldo de cana, além de 70 outras espalhadas pelas calçadas em seu entorno. A população passou a frequentar assiduamente o novo espaço, onde podiam adquirir os melhores artigos existentes no Brasil. Com leis específicas para regular a circulação no interior do edifício, as autoridades tentaram transformar um espaço popular, associado à ideia de desordem e insalubridade, em um ambiente sujeito a regras de conduta e de higiene. Era uma legislação pensada para oferecer ao lugar características semelhantes às dos centros de venda europeus.
O São José cresceu muito desde a sua fundação, e nunca deixou de funcionar como mercado. Alguns pequenos boxes foram acrescidos no interior dos pavilhões, e outros surgiram na parte externa, especializados principalmente na venda de refeições. Ao longo dos anos, camelôs ocuparam a Praça Dom Vital, que fica em frente ao mercado, e as calçadas que circundam o edifício foram tomadas por barracas que vendem queijos, frutas, verduras e legumes, ervas e raízes.
Segue o texto no link abaixo:

http://www.revistadehistoria.com.br/secao/perspectiva/a-ferro-e-a-frutas




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