domingo, 10 de junho de 2012

Ouro Preto - dificuldades para selar união entre patrimônio cultural e desenvolvimento sustentável


Em pauta na Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente – a Rio+20 – a preservação do patrimônio cultural aliada ao desenvolvimento sustentável vem encontrando alguns problemas estruturais para ser colocada em prática, conforme mostra a reportagem “Memória sustentável” publicada neste mês, na RHBN. No texto, Ouro Preto é citada como um exemplo positivo desta união. Mas nem tudo são flores: o município mineiro ainda tem problemas que o distanciam de uma harmonia plena entre crescimento e preservação.
Um caso que vem dando o que falar é a ocupação irregular das encostas da cidade, principalmente no Morro da Queimada, onde será fundado o Parque Arqueológico da Queimada – que possui vestígios de um dos primeiros arraiais da região, surgido no início do século XVIII. Durante anos a cidade expandiu para o lado do morro e dezenas de famílias construíram casas sobre as ruínas arqueológicas. O projeto do parque vem sendo pensado desde 2005 e deve ser concluído em 2013.
O arquiteto Benedito Tadeu de Oliveira, responsável pelo projeto, é muito cético com relação ao progresso da cidade em harmonia com o desenvolvimento sustentável. Para ele, que já foi diretor do Iphan em Ouro Preto, o patrimônio histórico da região das Minas está fadado a desaparecer em algumas décadas. “O risco de descaracterização do centro histórico se deve às obras irregulares e a uma legislação permissiva aprovada recentemente que não garante mais ao Iphan o controle total da situação”.
Segundo Oliveira, a cena estaria calamitosa no Morro de Santa Cruz e na Vila Aparecida. Isso sem contar outas cidades históricas mineiras, como Mariana, Congonhas e Conceição de Mato Dentro, onde o patrimônio histórico estaria sendo invadido pelo crescimento das cidades e também por atividade de mineração. Com relação ao Morro da Queimada, ele diz que o avanço está sendo controlado e projetos de habitação envolvendo a UFMG, o Iphan e a prefeitura estão realocando as famílias.

Em alerta
Em 2003, representantes da Unesco alertaram a prefeitura sobre a falta de controle da ocupação das laterais da serra – o conjunto arquitetônico e a paisagem são tombados como Patrimônio Cultural da Humanidade pela organização desde os anos 1970.
Jurema Machado, coordenadora de cultura da Unesco no Brasil, diz que o município atendeu a muitas recomendações feitas na época, como a restauração urgente de alguns casarões coloniais em perigo, mas nem tudo foi resolvido. “Há uma ocupação grande da área de encosta. Elas são áreas de risco, e não só comprometem a paisagem como a infraestrutura, que é difícil de resolver com aquela topografia. O que se pode fazer e vem sendo feito nos últimos anos é controlar para que isso não avance mais. Esta ocupação não é adequada mesmo à vida, não só à estética”.
Os desabamentos por conta da topografia irregular agravada pelas fortes chuvas de verão podem gerar desastres. Principalmente porque as pedreiras do entorno possuem galerias subterrâneas que podem ceder com a pressão. “O topo da serra é uma área muito densa... O que melhorou de algum tempo pra cá é o controle da região, mas não se fez uma interação mais definitiva no sentido de remover algumas áreas de risco extremo, realocando a estrutura. É problema que existe em várias cidades brasileiras e ali é agravado pela condição topográfica”, acrescenta Jurema.

Muitas pedras vão rolar
O prefeito da cidade, Ângelo Oswaldo Santos, diz que há planos de habitação em andamento, principalmente no que diz respeito ao Morro da Queimada. “Houve uma ocupação ali durante décadas. Uma ocupação irregular. Hoje, a prefeitura desapropriou e demoliu 15 casas para a implementação do parque arqueológico. Compramos as casas, as pessoas foram indenizadas”. Segundo ele, Ouro Preto precisa lidar com o crescimento populacional que acontece em todas as grandes cidades brasileiras. O caso de um sítio histórico é mais difícil. “Em 1897 a capital de Minas mudou para Belo Horizonte porque Ouro Preto não podia mais absorver pessoas. Precisamos ter uma disciplina inflexível para que possamos resguardar a cidade da pressão que desaba sobre ela”. Para ele, a saída é o turismo sustentável, capaz de aliar conservação e consciência histórica e ambiental.
Um relatório emitido pelo Ministério das Cidades, em conferência na Bahia, em novembro de 2011, informa que a única forma de evitar deslizamentos de encostas em área de risco é por meio da universalização do acesso ao saneamento ambiental e a implementação de uma política municipal de prevenção de riscos. Remover e realocar são apenas parte das medidas necessárias nestes casos.

Remoção e reestruturação
O projeto do Parque Arqueológico da Queimada vem tentando colocar isso em prática. Se inaugurado em 2013, o parque vai abranger uma área de 124,88 hectares e vai contar com centros comunitário e de pesquisa, áreas verdes reflorestadas, trilhas de ecoturismo e locais de contemplação dos resquícios históricos. Para que isso tudo seja feito, um plano de habitação (remoção e regularização de casas) em parceria com alunos de arquitetura e urbanismo da UFMG precisa ser concluído, já que, conforme mostra o mapa ao lado, grande parte da área do sítio está ocupada por residências. O chamado Programa de Arquitetura Pública concluiu 50% dos casos apresentados no relatório inicial para implantação do parque, segundo informa um documento emitido pela Escola de Arquitetura da UFMG, disponível no site do sítio.
O Morro da Queimada nasceu, com este nome, em 1720, após um incêndio que destruiu o Arraial de Ouro Podre, um dos primeiros da região. No local foi deflagrada uma revolta que durou 18 dias e culminou na prisão de seus líderes. Na ocasião, os manifestantes protestavam contra os aumentos dos impostos sobre os metais preciosos e a proibição da circulação de ouro em pó pela Coroa Portuguesa.  O que sobra desta época hoje e que está sendo preservado com apoio do Iphan e mesmo da Unesco são abrigos escavados na rocha, galerias, bocas das antigas minas de ouro e sarilhos para suas ventilações; pequenos açudes, fragmentos de canais de captação de água da época. Os criadores do projeto do parque ainda não terminaram o levantamento total dos bens do lugar.


 















Ouro Preto vista do Morro da Queimada / Foto: equipe do projeto Morro da Queimada

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